especial 2:burlesque: divas de gerações distintas dão show em musical acima da média
Christina Aguilera não é atriz. Receio. Cher ganhou o Oscar em 1988 e estava longe das câmeras há tempos. Receio. Burlesque poderia ter se tornado mais um dos filmes com cantoras sem talento protagonizando uma trama canastrona. Receio. Foi com essa atitude que Burlesque, musical que traz o mega encontro de Divas de gerações diferentes foi recebido pelos espectadores: com bastante receio. O improvável sucesso do filme era coisa certa para muitos, porém, quem apostou que o filme naufragaria se deu mal: Burlesque é diversão de primeira linha, mesmo que a trama não seja tão original.

A inserção da Christina Aguilera nos cinemas saiu ilesa do prêmio Framboesa de Ouro, que elege os piores do ano. Todas as suas colegas de profissão já foram indicadas: Beyoncé, Britney Spears, Jennifer Lopez, Madonna, Mariah Carey e Whitney Houston. Os responsáveis por selecionar as piores performances do ano não são favoráveis à participação de cantoras no cinema. Algumas indicações beiram a injustiça, portanto, muitas delas são justas. Apesar da atuação um tanto óbvia, Christina Aguilera consegue dar dignidade ao papel de Ali, menina humilde do Iowa que decide seguir para Los Angeles e se tornar uma artista de sucesso. No seu caminho surgirá Tess (Cher, magnífica como sempre), dona da casa de shows Burlesque. Inicialmente, Tess vai colocar obstáculos para a insistente Ali, que precisa provar a todo custo o seu talento nos palcos. Um doce para quem adivinhar o desenrolar: convencida de que tem o talento necessário para dominar os palcos do Burlesque, Ali mostra todo o seu poderio vocal numa gafe cometida por uma colega invejosa, a Nikki (Kristten Bell), saindo da posição de coadjuvante para a estrela principal do local.
As canções são dançantes e agradáveis. A ambientação bastante atraente. O clima de Sessão da Tarde nas soluções folhetinescas não atrapalha o desempenho da narrativa. Desde o início o espectador já sabe como tudo vai se desenrolar.


Dois cartazes de divulgação do filme.
A canção "You Haven't Seen the Last of Me", escrita por Diane Warren e interpretada por Cher, ganhou o Globo de Ouro de Melhor Canção Original. Considerada como a prévia do Oscar, a premiação é a segunda mais importante no mundo do cinema, ficando atrás apenas do Oscar. Curioso é ver Cher e Aguilera aparentemente bem entrosadas: para quem não sabe ou não se recorda, no último show da sua carreira, Cher critica as suas colegas mais jovens de forma bastante ácida: “Britney, Christina, J-Lo... suas cadelas, vocês nunca serão como eu”. A fala de Cher repercutiu bastante na mídia naquela época, portanto, parece não ter impedido que Burlesque saísse do roteiro e se transformasse no musical tão animado que o é.
Redondinho, sim. A trama é matematicamente calculada para agradar ao espectador que curte o estilo hollywoodiano. Mas verdade seja dita: ver Christina Aguilera em performances e canções de Etta James, Marylin Monroe e rever Cher depois de tanto tempo afastada das telas é um presente daqueles!
No plano das curiosidades, Emma Stone e Lindsay Lohan foram cotadas para o papel de Nikki, a rival de Ali no filme. Robert Pattison (Crepúsculo) também esteve cotado para o papel de Jack, par romântico de Aguilera no filme. Marcando o encontro de duas gerações distintas, Burlesque ganha por agradar não apenas aos fãs de Cher e Aguilera, sendo divertimento para todo tipo de público.

Com 111 minutos de duração, Burlesque conta com a presença de Stanley Tucci no papel de Nigel, amigo gay de Tess e uma espécie de mentor de Ali. O musical dirigido por Steven Anti também traz Peter Gallagher (da série The O.C.), Eric Dane (da série Grey's Anatomy) e Kristen Bell (da série Veronica Mars).
Saiba mais sobre a história do espetáculo burlesco

Para criação da história do filme, os produtores precisaram pesquisar todos os aspectos que caracterizam um espetáculo burlesco. Para deixar o nosso Especial Burlesque mais completo, entrego-lhes também um punhado de informações adicionais sobre este tipo de espetáculo na história da arte.
Antes de adentrarmos no espetáculo burlesco propriamente dito, vamos passear um pouco sobre a origem desta forma de arte e outras curiosidades relevantes. A palavra burlesque tem a sua origem no latim através da expressão burrula, diminutivo de burra (brincadeira, burla, farsa). Em italiano se chama burla, burlesco. No francês, burlesque. Como gênero literário, procura ridicularizar textos épicos importantes, como por exemplo, The Virgili Travesti (1698), obra que satirizava a epopéia do poeta Virgílio. A ideia de arte contrária também marca o burlesco na literatura: Alexander Pope, renomado tradutor da Odisseia também seria um representante. Em sua obra The Rape of the lock, de 1792, o escritor trataria de um assunto pequeno com a gravidade de uma questão extremamente importante. Esta é outra peculiaridade do burlesco.

Ao longo da Idade Média, o burlesco foi muito apreciado nos textos poéticos dos goliardos, paródias sobre as condutas dos clérigos e estudantes e nos fabliaux franceses, obras anti eclesiásticas de tom carnavalesco. Se olhado por um ângulo acadêmico, o conceito de burlesco está bastante próximo do conceito de carnavalesco (Bakhtin) e se torna aliado da paródia à medida em que vulgariza o que é sublime. Gargântua e Pantagruel, de Rabelais são duas obras marcantes deste tipo de literatura.
Na Espanha, podemos encontrar vestígios do burlesco nas cantigas de escárnio e maldizer. Até na obra máxima Dom Quixote é possível visualizar alguns traços nas pinceladas de Miguel de Cervantes ao longo do romance. O estilo burlesco espanhol tem o seu ponto alto nos poemas satíricos de Góngora e Estebanillo González (Quevedo é visto como um escritor principalmente satírico). Em Portugal, o burlesco surge em algumas paródias. Não surgem nas manifestações trovadorescas nem nos autos de Gil Vicente, mas nas obras de Guilherme Braga e Arthur de Azevedo.
Discutido academicamente por Mikhail Bakthin, uma das autoridades no assunto, o espetáculo burlesco está ligado a uma apresentação teatral que tende à paródia e a sátira, sendo considerada uma representação grotesca e exagerada, bem próximo da farsa. Alguns historiadores alegam que surgiu paralelo à Commédia dellárte, uma espécie de teatro de improviso germinado na Itália entre os séculos XV e XVII. Os espetáculos eram apresentados ao ar livre e compostos por em média, dez pessoas. A categoria de strip-tease surgiu na década de 20 do século passado.

Versando sobre os costumes, este tipo de comédia satirizava temas como adultério, piadas regionais e ao longo dos séculos ganhou espaço em obras de artistas famosos como as óperas de Richard Strauss, as peças de Moliére e na contemporaneidade, a família Simpson, considerada como a transição dos ideais deste tipo de arte para o contexto atual.
Desta maneira, a Commédia Dellárte é a base de muitas formas de espetáculos atuais: o strip-tease, a marionete, as danças eróticas e outros. Expandiu-se nos Estados Unidos no século XIX e ganhou maior destaque nos teatros intitulados Music Hall (também no Canadá), local onde as formas tradicionais de teatro eram somadas às expressões populares como o circo e seus trapezistas. Menos elitistas e mais próximos da cultura popular, estes espetáculos foram ganhando fama, afinal, podia-se perder os pudores e consumir álcool à vontade, subir nas mesas e todas as coisas imaginadas num local frequentado por pessoas que de certa maneira desafiavam as convenções e mantinham-se expostas na sociedade.
Os espetáculos burlescos ganharam a maior notoriedade entre 1850 e 1960, tendo o seu apogeu no período entre guerras (Primeira e Segunda Grande Guerra Mundial). Perdeu a força para a massificação do rock´n roll, entretanto, havia deixado o seu legado. Ao Burlesco somamos o Vaudeville (termo que foi adulterado do francês, “voix de ville”, a voz da cidade), apresentados em saloons, freak shows e nos chamados Dime Museums (instituições criadas para o entretenimento e educação moral das classes pobres norte-americanas), assim como à literatura burlesca.
Há fontes históricas que nos remetem ao burlesco como a ópera de Francesco Berni denominada rime burleschi. Logo em seu inicio, o Burlesco teve papel fundamental na mudança de costumes, principalmente no que tange a libertação da mulher na posteridade. Tendo a mulher norte-americana exibido seu corpo da maneira que queria, tal fato é um marco decisivo na cultura popular ligada às questões de gênero, que logo depois seria desenvolvida pelas chamadas Indústrias Culturais.
Com forte teor crítico aos costumes da elite dos Estados Unidos e Inglaterra (também representante destes espetáculos ao redor do mundo), a manifestação cultural popular marca o confronto entre a cultura aristocrata Vitoriana e a nova cultura operária que surgia com a cultura de massas. É, o cinema, forma de arte que ganharia expressão popular intensa na década de 20 do século passado que tomaria o lugar desta manifestação artística rica em produção e adornada por arranjos da cultura popular de muitos séculos.

Segundo as informações recolhidas durante pesquisa para a elaboração deste especial, William Mitchell e Laura Keene são dois renomados protagonistas e realizadores de peças burlescas famosas no século XIX. Com o fracasso proveniente do sucesso da sétima arte, o Burlesco ganhou destaque em outras plataformas, como por exemplo, o rádio e a televisão, tendo o programa The Ed Sullivan Show como um dos destaques. O Burlesco perderia seu público ao vivo, preferindo assistir a este tipo de espetáculo exagerado pela televisão.
O Burlesco seria retomado na década de 90: Nova York, Los Angeles e São Francisco são cidades que revivem o Burlesco em diversos festivais ao longo do ano. A banda norte-americana Panic! at the Disco recentemente utilizou-se do burlesco para a produção de um de seus discos.
O FILME EM 5 MINUTOS
Bem Vindo ao Burlesque!
Primeira aparição de Cher em Burlesque, desejando as boas vindas ao público do local, e claro, aos espectadores.

Você é a Tess?
Cena que marca o primeiro contato de Ali (Christina Aguilera) com Tess (Cher). A personagem Ali vai precisar de muito esforço para convencer Tess a deixá-la atuar nos palcos.

Mostre-me!
Cena marco da primeira discussão séria entre Tess e Ali, que precisa mostrar à sua mentora que é capaz de arrasar nos palcos do Burlesque com dois atributos bem favoráveis: voz e performance.

Alice: bem vinda ao país das maravilhas!
Referência ao clássico de Lewis Carroll, quando o personagem de Stanley Tucci questiona a origem do apelido Ali. Vale ressaltar que esta é a segunda vez que Stanley contracena com um personagem difícil, seguindo a linha “mentora”: em O Diabo Veste Prada, Stanley Tucci atua com Meryl Streep e a própria encarnação do diabo: Miranda Prisley.

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